*Adm. Wagner Siqueira
Dia Internacional da Mulher, data de comemoração, mas, acima de tudo, de luta e de tomada de consciência.
Ao permanecer o ritmo atual, levaremos mais de 100 anos para que a sociedade brasileira consiga atingir a paridade de gênero. Em pleno desabrochar da Quarta Revolução Industrial, reedita-se a exaltação, em ambientes acadêmicos e corporativos, na imprensa em geral e nas mídias digitais, de análises, avaliações e prognósticos que reanimam o sexismo e a desigualdade de gênero. E todos falam em prol da mulher e em defesa da paridade.
Usualmente dizem que muitas das características e das capacidades tradicionalmente associadas às mulheres e às profissões ditas “essencialmente” femininas serão bem mais necessárias na economia 4.0: prestadores de cuidado da saúde, cuidadores de idosos, assistentes sociais, psicólogos, terapeutas, treinadores, organizadores de eventos, enfermeiras, recursos humanos e uma infinidade de outras que hoje ainda se confere preferencialmente ao exercício feminino. Enfim, a Economia 4.0 , no dizer de especialistas masculinos, vai abrir espaço à paridade de gênero. Eis aí o novo discurso dissimulativo e de escamoteação da misoginia.
Adicionalmente, muitos dos que defendem a paridade de gênero não se dão conta que se aburguesaram e, assim, perdem a perspectiva da percepção de que nos ambientes em que vivem a desigualdade e a discriminação à mulher, se bem que ainda flagrantes e absurdas, se concretizam de forma bem mais matizadas e eufemisticamente atenuadas. Dispõem de educação formal e boa situação de vida, e, evidentemente, que não desejam sair de suas condições atuais. Muitos extrapolam a sua realidade para o conjunto da sociedade e, assim, restringem-se à luta pela conquista da igualdade identitária da mulher, abandonando como foco de prioridade as questões coletivas de afirmação de gênero num dos países mais desiguais do mundo.
Não focam como prioridade a luta da mulher coletivamente, em todas as suas circunstâncias de discriminação e de exploração. Conferem maior importância ao número de mulheres que integram os conselhos de administração corporativos ou que são diretoras de empresas do que a multidão de mulheres trabalhadoras que se não cederem aos assédios de seus supervisores e patrões perdem os empregos ou não são sequer admitidas. Comparam mais as diferenças salariais de remuneração entre mulheres de alta proficiência profissional do que as vissicitudes empregatícias a que se submetem as mulheres pobres e de baixa instrução coletivamente para levar seu ganha pão para as famílias em que, o mais das vezes, são únicas e solitárias no sustento, já que foram abandonadas por seus cônjuges.
A luta se despolitiza e envereda pelo politicamente correto: o importante passa a ser a mulher, e mais ainda a mulher negra, como apresentadora do jornal da TV, como atriz principal do filme ou da telenovela como afirmação identitária da mulher. Não que essas questões não sejam relevantes, mas os avanços e conquistas coletivas, essenciais da mulher na pobreza, passam a ser tratadas objetivamente como secundárias, quando muito objeto apenas de discursos, de pouca ou quase nenhuma ação prática. E, assim, as vulnerabilidades sociais coletivas da mulher brasileira cada vez mais se agravam, apesar de ganhos identitários importantes.
E aí avança a polarização da política no Brasil, também sob o viés da questão da paridade de gênero: a direita diz querer a globalização econômica e as vantagens do neoliberalismo, mas quase nada faz de ações concretas em prol das mulheres na ocupação do espaço paritário produzido pela expansão do desenvolvimento. E a esquerda diz querer a paridade de gênero, mas não quer o neoliberalismo que, pressupostamente, possa trazer maior espaço de trabalho paritário para a mulher. Praticamente abandona a luta coletiva e se cinge à luta identitária do politicamente correto.
*Adm. Wagner Siqueira é conselheiro federal pelo Rio de Janeiro e diretor-geral da Universidade Corporativa do Administrador